Stalin ou uma profecia da controvérsia (por Wilson Coêlho)

Publicado em 1986, pela editora Moderna, “Stalin”, de José Arrabal e José Carlos Estevão é um livro bastante generoso e importante para quem se interessa em conhecer um pouco da Revolução Russa de 1917 que, apesar das suas contradições, pode ser entendida como um ponto de partida para uma nova história da humanidade.

Trata-se de um livro, de certa forma, paradidático e narrativo, ou seja, uma história romanceada da Revolução Russa, onde o biografado, Josef Vissarianovitch Djugatchvili, conhecido como Josef Stalin, é demonstrado em seus aspectos revolucionários e, ao mesmo tempo, autoritários.

Mesmo tendo sido preso e torturado em quartel do exército pela ditadura dos golpistas de 1964 e, ainda que fosse um aficionado pela Revolução Russa, José Arrabal não nutria nenhuma admiração por Stalin. Foi uma obra sob encomenda, inclusive, a segunda sobre Stalin, considerando que a primeira (escrita em 1974, também “a pedidos”), com 500 páginas, tivesse desaparecido, tendo em vista que o editor temia que, caso a obra fosse publicada, logo em seguida seria recolhida das livrarias e das bancas por ordem da censura dos militares golpistas.

Agora, nesse segundo “Stalin”, escrito em 1986, em parceria com o professor universitário José Carlos Estévão, nos mostra as facetas desse homem que, apesar de ser o responsável pelo massacre de milhões de seus opositores, colocou a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas na condição de segunda potência do planeta. Arrabal e Estevão vasculham as estratégias do pensamento e da personalidade de Stalin, inclusive, em suas relações com Lênin, Trotsky e tantos outros camaradas. Temos também ai a trajetória de Soselo (Zezinho) desde a vida escolar na infância, a de seminarista, seu ingresso no marxismo através da organização clandestina comunista da Geórgia, denominada “Messane Dassy” (O Terceiro Grupo, em russo). Depois, como Koba (“O Indomável”, em turco), organizando um comitê de operários socialistas em Batum, sua participação na revolução de 1905, sua atuação como um dos diretores do jornal PRAVDA (A Verdade, em russo), sua prisão e condenação de degredo na Sibéria, até se tornar o Koba-Stalin (Koba, “O Indomável”. Stalin, “o Homem de Aço”), como assina, em Viena, o ensaio intitulado “Os problemas das nacionalidades e a social-democracia. Enfim, depois que assume o Homem de Aço e, daí por diante, o codinome Stalin.

Para demonstrar até que ponto Stalin alterou o destino da Revolução Russa, bem como o quanto ele ainda sobrevive no mundo atual, Arrabal descreve as décadas de atuação deste o contexto de sua infância e juventude até a Segunda Guerra Mundial e, Estevão, por sua vez, a partir do término da guerra até os dias finais de Stalin.

Arrabal, depois de árdua tarefa, num certo sentido, não se sente mais a vontade para terminar o livro, considerando que, apesar de não se simpatizar com o autoritário Stalin e, ao mesmo tempo, sendo honesto em sua narrativa, reconhece e salienta a “bem sucedida e gloriosa liderança do dirigente comunista no enfrentamento e derrota da barbárie nazista durante a Segunda Guerra Mundial – derrota de Adolf Hitler que a Humanidade deve agradecer à heróica valentia do Exército Vermelho e a firme coragem sem igual do povo soviético”.

É a partir desse momento que seu amigo José Carlos Estevão termina a obra expondo as contradições e herança do stalinismo.

De certa forma, as abordagens e especulações sobre o futuro de uma democratização da URSS e o perigo de que ela se desmembrasse em pequenos países, tendo em vista sua formação de povos diversos e etnias distintas, soavam como uma espécie de profecia, naqueles momentos que antecediam a “glasnost” (transparência) e a “perestroika” (reestruturação) de Mikhail Gorbatchev.

Enfim, para além do prazer da lúcida escritura, ler “Stalin”, de José Arrabal e José Carlos Estevão, é uma rara possibilidade na literatura brasileira de uma reflexão, tanto para os iniciados na política quanto para os leigos, sobre a atuação de um líder que moldou a metade do mundo que hoje vivemos.

Wilson Coêlho
Poeta, tradutor, palestrante, dramaturgo e escritor

 


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