Até os desavisados sabem que Renato Casagrande não passa de um substituto de Paulo Hartung no governo do Espírito Santo, ou seja, ocupa o cargo de governador apenas como um títere dos grandes empresários do Espírito Santo. Desgraçadamente, por puro pragmatismo, tendo em vista a situação atual do país, o PT abriu mão de uma candidatura própria, que seria a de Fabiano Contarato, praticando uma adaptação ao indesejável, ipso facto, o Partido tomou uma decisão contrária à própria vontade, entendida como princípio norteador de suas políticas e, por isso, é levado a se omitir devido às suas necessidades contextuais.
Por um lado, parece interessante quando isso se dá a partir da ideia de sustentabilidade, objetividade, realismo e praticidade de um governo, devido ao acordo com o PSB – Partido Socialista Brasileiro, de Márcio França, abrindo mão de sua candidatura e a favor de Fernando Haddad e a vice de Geraldo Alkmin, mas – por outro – torna-se perverso quando entendemos que tudo redunda no mais malévolo de seu conteúdo, a conciliação com o neoliberalismo em pleno exercício da renúncia de um projeto socialista. Era a hora do PT dar um basta ao Espírito Santo em Ação e outros projetos burgueses que têm apenas a finalidade de explorar os trabalhadores do estado, através de privatizações, do desrespeito ao meio ambiente, do fechamento de escolas, principalmente as do campo, do extermínio da juventude negra, do feminicídio e da incapacidade de enfrentar as desigualdades sociais, escamoteando com a propaganda do projeto desenvolvimentista para o país, onde os trabalhadores do Espírito Santo não passam de mão de obra barata e massa de manobra. Nesse sentido, devido a conjuntura do momento que conduzia para uma eleição polarizada, e o enfrentamento ao avanço do fascismo junto ao Estado brasileiro, a candidatura ao Governo do PT e a possibilidade de candidatura avulsa ao Senado foi equivocadamente retirada em nome do acordo nacional.
Há muito que dizer sobre a tirania desse governo de Renato Casagrande, mas parece mais que necessário ressaltar sua estratégia de embrutecimento da sociedade para que a classe dominada não perceba seus assaltos à consciência. É público e notório que, num regime dito democrático, não cabe ao Estado produzir cultura, mas propiciar meios para que a sociedade civil o faça. Inclusive, temos garantido na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 215 que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Ratificando a Carta Magna, a Constituição do Estado do Espírito Santo, de 1989, no que diz respeito à Cultura, assegura que:
Art. 181 – O Poder Público garantirá a todos o pleno exercício dos direitos à cultura, através:
I – da garantia da liberdade de criação, expressão e produção intelectual e artística e do acesso a todas as fontes e formas de expressão cultural;
II – do incentivo à formação cultural e ao desenvolvimento da criatividade;
III – da proteção das expressões culturais populares, indígenas, afro-brasileiras e das outras etnias ou grupos participantes do processo cultural;
IV – do acesso e da preservação da memória cultural e documental.
Etc., etc.
Ainda, cumpre-nos acrescentar:
“Art. 184 – Será assegurada, na forma da lei, a participação de entidades da sociedade civil na formulação da política estadual de cultura.”
Transcrevemos esses dados constitucionais apenas para tentar fazer lembrar o papel do Estado no cumprimento de suas funções, embora seja escusado dizer que é obrigação de todo gestor público e responsável pela pasta da Cultura ter o conhecimento de todas essas informações como princípio básico para quaisquer de suas ações.
Pode parecer anedótico ou desnecessário citar todos esses artigos, mas o fazemos mediante uma realidade em que os mesmos têm sido descumpridos como se o governo ou a administração atual não tivesse a necessidade de pensar a política cultural como uma questão do Estado, como Cláusula pétrea.
Temos percebido, desde a posse desse governo, principalmente no que diz respeito à Cultura, um total desrespeito a esses princípios garantidos pelas constituições, desde a federal até a estadual.
Desde que se instalou o Conselho Estadual de Cultura e, diante da necessidade de fazer uma eleição para os novos conselheiros, houve uma tentativa de neutralizar o espaço de ação das entidades. Há uma série de documentos que comprovam isso, inclusive, protocoladas em diversos órgãos do governo, até para o governador. Depois de muito esforço e luta, com a participação de 14 entidades culturais de diversas áreas, firmada em documento, conseguimos reverter o processo autoritário da Secretaria de Estado da Cultura – Secult-ES.
Mas apesar da derrota da Secult sobre o alijamento das entidades no processo eleitoral, ela ainda se mantém autoritária e reticente no que diz respeito a essas organizações da sociedade civil. Haja vista, quando apresentou os Editais Funcultura 2020, sem dizer que, em 2019, os editais não foram cumpridos, considerando que se abriram as inscrições no final do ano para que se realizassem em 2020. Não temos a mínima noção do orçamento de 2019, nem como o mesmo foi utilizado nas atividades meio e fim, nem dos anos que se seguiram. E não houve prestação de contas e nenhuma justificativa, embora tenha havido cobrança no Plenário do Conselho Estadula de Cultura. E diante da reticente disposição da Secult em apresentar a prestação de contas, foi necessário a apresentação e aprovação de uma Resolução pelo CEC, para que a Secult de fato cumpra a obrigação de prestar contas da execução anual das políticas de cultura do órgão.
Voltando aos Editais Funcultura 2020 que, estrategicamente foram lançados no final do ano para que somente acontecessem em 2021, em caráter de urgência, jogados no colo dos conselheiros, não para que participassem como representantes das entidades da sociedade civil, mas como coadjuvantes na formulação de políticas públicas, apenas como representantes nulos e meramente na condição de emitirem um referendo justificando a inoperância do Estado e para adequarem os projetos da sociedade civil de acordo com os interesses do governo.
Recapitulando, em 2000 foi criada a Lei de Incentivo Fiscal (6.223/2000) do ICMS, por Enivaldo dos Anjos, no Governo José Inácio. Em 2003, essa lei foi revogada por Paulo Hartung que fechou o Conselho Estadual de Cultura, mas – com o avanço da política federal do governo Lula – acabou reorganizando o Conselho em 2007. Em julho de 2008, através do decreto 2.100R veda a celebração de convênios como festivais, festas, feiras e etc… e, em agosto criou o COMPET nº 15 (Contrato de Competitividade) dando isenção fiscal para o setor comercial atacadista que cria o INSTITUTO SINCADES para administrar o dinheiro público na política cultural do estado. Logo em seguida, em outubro de 2008, cria o FUNCULTURA. Em 2014, o Plano Estadual de Cultura foi aprovado na Assembleia Legislativa e que deveria ser implementado para um prazo experimental de 10 anos. Paulo Hartung foi eleito governador e nada aconteceu.
Renato Casagrande, eleito em 2018, publicou, em maio de 2019, por orientação de seu Secretário de Cultura, Fabrício Noronha, um decreto tirando o poder das entidades na indicação de membros para o CEC, quando se deram conta da manobra e da arbitrariedade da norma, as entidades, com decisiva participação do Fórum Permanente, com 16 entidades do setor cultural, travaram uma batalha de quase um ano para sua revogação, feita a contragosto do secretário. Reunimos o Fórum Permanente com 16 entidades e, depois de uma insistente luta contra a arbitrariedade do Presidente, Secretário Fabrício Fernandes Noronha, gastando todo o ano de 2019, através do CEC conseguimos derrubar o decreto por meios legais, por descumprir o regimento, tendo esse sido aprovado em uma reunião sem o quórum necessário específico para a matéria. O Plano Estadual de Cultura – PEC que expira em 2024, não foi implementado porque para fazê-lo seria necessário realizar a Conferência Estadual com todo o movimento cultural. Mas o Secretário de Cultura chega no CEC propondo uma reforma no PEC.
Em 2019, o Plano Estadual de Cultura – PEC não foi implementado porque para fazê-lo seria necessário realizar uma Conferência com todo o movimento cultural. Mas o Secretário de Cultura chega no CEC propondo uma reforma no PEC.
ois problemas sérios: o primeiro é que para se reformular o PEC se faria necessário implementá-lo no prazo experimental para que se pudesse corrigir suas possíveis falhas e/ou insuficiências na prática e, depois, por ele ter sido construído a partir de escutas públicas com todos os segmentos culturais. O Secretário de Cultura faz uma proposta de reformulação vertical através do Instituto Jones dos Santos Neves.
O PEC foi formulado a partir de conferências e assembleias que abrangeram 76 dos 78 municípios capixabas, através de uma grande mobilização da sociedade civil, realizadas nas 10 regiões administrativas do estado.
Depois, o governo Casagrande criou a Lei de Incentivo à Cultura Capixaba – LICC, Lei nº 11.246 de 07/04/2021 2021 (para a qual criou um cargo de subsecretário na Secult), que alterou a Lei nº 7.000/01 que, conforme seu discurso neoliberal, surgiu como mais uma forma de incentivo e fomento à cultura do Estado do Espírito Santo. Mas essa lei que têm um crédito presumido para abater do imposto a ser pago, condiciona que projetos apresentados à SECULT, após sua aprovação, permite que os proponentes procurem as empresas em busca de patrocínio. Caso a empresa demonstre interesse, o recurso será depositado diretamente ao proponente, que prestará contas ao final do projeto. Na verdade, não passa de um projeto reformulado do antigo SINCADES para atender aos interesses do empresariado.
Afirmar o desinteresse e a falta de conhecimento é até uma tautologia, porque um leva ao outro, ou seja, não existe interesse em conhecer a realidade. Se, conforme o Art. 184, houvesse a participação de entidades da sociedade civil na formulação da política estadual de cultura, obviamente a Secult teria a ciência de que, só no que diz respeito ao teatro, existem mais de 60 grupos no estado. Provavelmente, levando em conta a mentalidade da cultura de resultados, poderia alegar que esses grupos não têm uma produção permanente para serem entendidos tais, mas convém lembrar que muitos dos mesmos não têm feito montagens ou circulado justamente pela falta de apoio e inoperância do estado, tanto nas esferas federal, quanto na estadual e nas municipais.
Também devemos levar em conta que a existência desse modelo de Editais de Cultura somente revela a falta de políticas públicas reais e que contemplem os interesses e as necessidades da sociedade civil no fazer artístico e cultural. Não que não devam existir os Editais, mas que sejam integrantes de um projeto mais amplo e sólido e que não fiquem a mercê de um governo ou administração em cada ano ou mandato de acordo com os interesses do mercado e do governo neoliberal.
Ainda aproveitamos para relatar que foi formado em março de 2021 um grupo de trabalho dentro do CEC, com a participação da Câmara das Artes Cênicas para a realização da Conferência Estadual. Após algumas reuniões a Secult ficou de retornar com propostas e, desrespeitosamente nem satisfação deram a esse grupo de conselheiros até o momento.
Quanto ao PEC, votado em 2014 pela Assembleia Legislativa do Espírito Santo e sancionada pelo então governador Renato Casagrande, estranhamente, até os dias atuais, nada se fez. Aliás, pelo contrário, já ouvimos da Secretaria uma proposta de reformulação do Plano. Novamente, uma postura controversa e autoritária, considerando que o mesmo necessita ser implantado, ter um tempo experimental para que se entenda as reais mudanças a serem feitas. Somente dessa forma se poderá garantir a participação efetiva dos segmentos organizados da sociedade civil para definir as prioridades no campo da cultura e a partir de suas verdadeiras necessidades.
Entre outros eventos, destaco a chamada” Festa da Criatividade debate rumos da cultura e economia criativa no País”. Um tema faustoso e, ao mesmo tempo, um engodo da propaganda da cultura de resultados do mercado capitalista. Uma festa midiática, sustentada pela falácia da autoridade, considerando a participação de renomes nas redes sociais como Mídia Ninja e outros “famosos” que, talvez, nem sabiam onde estavam se metendo. Uma ação organizada, como sempre, a portas fechadas com empresários e instituições de sustentação do governo neoliberal de Casagrande contra a senzala. A secretaria desse governo entende a democracia como decisões de pautas que não sejam unilaterais, ou seja, que o Estado tome decisões sozinho, mas ele se esquece que democracia o regime de governo cuja origem do poder vem do povo (demo, em grego). E, se num governo democrático, todos os cidadãos possuem o mesmo estatuto e têm garantido o direito à participação política, aqui se resume uma corrupção (“corrupto” deriva do verbo latino “corrompo” que significa “apodrecer”, “destruir”, “perverter”), na medida em que todos os projetos se organizam a partir de acordos entre setores do governo com empresários, sem a participação popular.
A chamada “Festa da Criatividade debate rumos da cultura e economia criativa no País” se realizou sem nenhum debate com o Conselho Estadual de Cultura para formular seu modelo e formas de operação, assim como também a criação da LICC e o repasse de recurso fundo a fundo. No evento não teve nenhuma participação dos segmentos culturais organizados da sociedade civil e, mais perverso, muitos foram impedidos de participar, inclusive, membros do CEC. Talvez como álibi possam se justificar por terem convidado Ailton Krenak e o cacique guarani Marcelo Weradjekupe, mas tudo não passou de um golpe midiático para “garantir” a participação dos povos originários, uma postura costumaz no processo indigenista (o indígena do ponto de vista do branco) que vigora no pais. Mas tudo redunda no discurso da economia criativa como um eufemismo do empreendedorismo e uberização nas relações de trabalho. Felizmente, Ailton Krenak fez diversas declarações denunciando as armadilhas desse discurso no próprio evento, inclusive, declarando sua objeção em transformar as aldeias indígenas do país em “Pontos de Cultura”, considerando que todas estariam reféns do modus operandi do sistema capitalista monitorando os povos originários como se uma “vantagem” para os indígenas serem integrados no sistema.
Outra farsa foi a convocatória da Gerência de economia criativa – GECRIA do Sebrae, em nome da SECULT, para a realização do encontro denominado “Imersões da Cultura”, com o pífio discurso de que a imersão cultural é um aprofundamento em um ambiente e tema específico da cultura (sic). Afirmavam que os participantes teriam a experiência de “mergulhar” em uma cultura, vivenciando seus costumes compartilhando com outras pessoas da mesma área de conhecimento, os encontros são divididos em dois tempos. Poderia parecer perfeito se não passasse de um mero enunciado do romantismo populista, considerando que apareceram meia dúzia de gatos pingados e que nenhuma entidade dos movimentos culturais tivesse sido convidada e sequer os membros do Conselho Estadual de Cultura fossem convidados a participar e nem mesmo consultados para a sua realização.
Estranhamente, os encontros foram distribuídos em “Literatura e Editoras”, “Audiovisual”, “Podcast”, “Teatro”, “Fotografia”, “Aplicativos e realidade aumentada (Mídia digital)”, “Moda” e “Moeda Social”, entre 12/05 a 22/06, com atividades realizadas de 9 às 18 horas, sendo, pela manhã, o compartilhamento de experiências de “sucesso” em cada área, como referência para o plano de ação e, na parte da tarde, os presentes se dividindo em grupos para se debruçar sobre as problemáticas, em temas específicos, sugerindo soluções. Um perfeito exercício da falácia. Se o Estado estivesse mesmo preocupado com essas questões, o caminho mais fácil e óbvio seria recorrer ao Plano Estadual de Cultura elaborado e discutido a exaustão, a partir de diversas conferências tanto regionais quanto setoriais, com os segmentos culturais organizados da sociedade, resultado de um acúmulo de experiências ao longo de décadas, onde se observou que os problemas permanecem os mesmos e o papel do Estado, idem.
O chamado projeto das Imersões foi vendido como fruto do Programa ES + Criativo, que é um programa de Governo, executado por meio da Secult em parceria com outras instituições, e que vem formando parcerias para fomentar políticas públicas na área de economia criativa em âmbito Estadual e Municipal. O grande problema é que essas parcerias sempre se deram como acordos entre gabinetes e empresários e os principais interessados, diga-se de passagem, os movimentos culturais nunca foram chamados para participar e nem mesmo seus representantes do Conselho Estadual de Cultura foram consultados.
Dito isso, podemos afirmar, sem medo de errar, que esse governo teve a pior secretaria de cultura dos últimos 40 anos da história do Espírito Santo, calando as entidades, o Conselho Estadual de Cultura e o povo. Um governo que não cumpriu com seus compromissos de campanha, que passou todo o mandado com o Theatro Carlos Gomes fechado, a Casa da Música Sônia Cabral – CMSC funcionando em condições precárias, sem nenhum projeto de ampliação de equipamentos culturais, ancorado nos insignificantes editais para a cultura como única política de apoio aos artistas, pegando carona na lei federal Aldir Blanc, na farsa da Lei de Incentivo à Cultura Capixaba – LICC em benefícios e empoderamento dos empresários na decisão do que lhes parece importante como arte no Espírito Santo, etc.
Sem esquecer a TV Educativa – TVE, que está há vários mandatos sem realização de concurso público. Embora tenha programas voltados para difusão de parte significativa da produção cultural do Estado, tem sido administrada sem mínima transparência, o que já foi denunciado pelo Sindipúblicos e Sindijornalistas, sem que resposta ou providência por parte do governo.
Enfim, o que parece estarrecedor é que o movimento cultural, em quase sua totalidade, se manifestou num abaixo assinado em apoio a esse governo, mas de uma forma cega, sem exigir nenhuma contrapartida, mesmo sabendo que Casagrande não tem militância e nunca seria reeleito sem o nosso apoio. Temos que nos organizar para que, nesse novo mandato, a secretaria de cultura esteja menos interessada na promoção do secretário em viagens e festas de autopromoção, mas que tenha os ouvidos atentos para as demandas da sociedade civil organizada da cultura por um governo democrático de verdade e por um mundo melhor, onde a arte não se reduza a um produto de sustentação de um governo de joelhos para a classe dominante.
P.S.: Aos que quiserem confirmar o que eu disse em relação ao autoritarismo do secretário de cultura, consultem as atas das reuniões do Conselho Estadual de Cultura, não apenas as impressas que, por motivos óbvios, muitas falas foram omitidas, mas existem as gravadas que estão no youtube.